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Mostrando postagens de maio, 2019

Vagabundo daqueles #40

 - Pare de escrever essas bobagens e vá procurar um trabalho de verdade! Mário mantinha o olho para a fumaça que escorria para fora da panela de sopa e esboçava um sorriso silencioso onde se tivesse, esconderia o rancor pelas palavras que Elisa insistia em dizer todos os dias bem antes do marido alçar a colher de metal fuliginoso para atrás dos dentes.  Era sempre essa a trilha sonora do jantar, desde que Mário fora demitido do seu cargo de bancário no mês passado quando, sem contar a esposa, passou uma semana preferindo frequentar pelas manhãs a livraria do Seu Aluízio ao invés de dar as caras no banco. A esposa só ficou sabendo porque o senhor Ribamar tinha ligado na sexta na hora do almoço, justo no fim de semana que Elisa não precisava ir à casa da Dona Mercedes fazer a faxina, porque a senhora tinha ido para a praia. Ouviu a voz grave do outro lado da linha e antes de responder chegou a ficar irritada por alguém ligar uma hora daquelas procurando saber de seu marido ...

Ah, se eu me chamasse Raimundo... #39

O primeiro ser humano que inventou de juntar algumas palavras no papel e resolveu publicar essas histórias, foi o autêntico inventor da inveja literária na sociedade civil. Rosseau estava certo ao tocar nesse ponto. Falo de experiência própria. Sem modéstia, me considero o maior profeta do passado que conheci. Não tem jeito, há todo momento tenho a ideia genial que numa rápida busca no Google percebo que foi desenvolvida por algum autor há mais de 200 anos em um recôndito vilarejo do leste europeu. Olho pra estante. Inveja. O português discutiu a metafísica e as angústias da alma humana. O argentino criou um universo fantástico e se tornou imortal, O  chileno faz poemas de amor e mar sem esbarrar na cafonice, raro, raríssimo. O russo, esse é o pior. A sua tolerância a banalidade me incomoda. Nada escreve que não seja filosófico. A história de um garoto com superpoderes e é o escolhido para salvar o planeta nunca lhe passou pela cabeça. Agora escrever 600 páginas sobre um assassi...

Whiskey in Jazz #38

O que estou fazendo aqui? Olha… eu vim aqui para fazer, talvez, não, não, ora não me lembro,  porque acha que eu deveria me lembrar? Por algum acaso você nunca saiu de sua casa em uma noite e sentou-se no bar e… Que horas são? 4h26? Não é possível, agora mesmo eu tinha saído para comprar doces de abóbora para o café da manhã de minha garotinha Lise… Me arruma um cigarro! Esse trompete não me é estranho… Cadê a garrafa de cerveja que estava aqui? Garçom, meu deus! Preciso me lembrar dessa música. Ninguém me ouve. O que será que Lise estará sonhando? Maria deve está agora pensando… Maria? Como você sabe o nome da minha esposa? Porque a luz pisca e quem é mesmo você? Eu sou casado, não posso lhe pagar um drinque… uísque! uísque! Qual o seu nome? Entendi, é bom caminhar pela madrugada pela ponte… Não, estou enganado essa ponte é da minha cidade de infância, não ria de mim, as pessoas se enganam. Quem pediu esse uísque? Você sabe que eu só bebo cerveja, esses garçons já não entendem ma...

Greve nas Universidades: ter ou não ter, eis a questão #37

Historicamente, as greves foram responsáveis por melhorias em diversos setores no Brasil. Desde a primeiras greve geral dos operários na Primeira República em 1917 até a última greve dos caminhoneiros em 2018, houve diversas manifestações de trabalhadores por melhores condições de trabalho. Essas paralisações, ainda que muitas vezes não produziram melhorias satisfatórias aos envolvidos, serviu para que o governo ou o patronato desviasse a atenção para as demandas trabalhistas, já que a produção depende fundamentalmente dessa classe. As Universidades Públicas no Brasil também fizeram paralisações, principalmente nas últimas décadas que conseguiram melhorias pequenas mas importantes para o andamento do ensino universitário. A última em 2016, fez com que parasse cerca de 35 instituições federais e estaduais de ensino como resposta sobretudo à aprovação da PEC 55, que congelava os investimentos à educação e a saúde por vinte anos. A greve durou várias semanas, mas a PEC foi aprovada em ...

A mulher ideal #36

Naquela hora do almoço, o restaurante ficava tão cheio que dois amigos podiam comer e falar besteira sem que ninguém se importasse.  E então? - José Carlos insistiu. - Não sei… não sei… - Renato pensativo olhava o amigo com rugas entre a testa e o nariz, dando a impressão que se estivesse se esforçando. - Ah, pra mim um dia feliz teria que começar ao lado de uma mulher, linda, que eu acordasse primeiro e ficasse olhando suas coxas descobertas abaixo da camisa que lhe cobria os seios. E que eu ficasse apenas assim, comendo-a com os olhos. O gozo desmancha o desejo. - Para de tentar ser poeta, Zé. O sexo é o que inibe às impertinências do relacionamento cotidiano. Eu, só queria que não fosse a minha mulher. Ela sempre acorda de mau-humor e se me vesse assim, ainda iria me mandar à puta que pariu. - Renato já estava na fase de descrença das relações, mas lhe faltava coragem para terminar. - Tá bom, outra mulher. Mas, tinha que ter lábios grossos e nome de Helena ou Antoniet...