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Ah, se eu me chamasse Raimundo... #39

O primeiro ser humano que inventou de juntar algumas palavras no papel e resolveu publicar essas histórias, foi o autêntico inventor da inveja literária na sociedade civil. Rosseau estava certo ao tocar nesse ponto. Falo de experiência própria. Sem modéstia, me considero o maior profeta do passado que conheci. Não tem jeito, há todo momento tenho a ideia genial que numa rápida busca no Google percebo que foi desenvolvida por algum autor há mais de 200 anos em um recôndito vilarejo do leste europeu.
Olho pra estante. Inveja. O português discutiu a metafísica e as angústias da alma humana. O argentino criou um universo fantástico e se tornou imortal, O  chileno faz poemas de amor e mar sem esbarrar na cafonice, raro, raríssimo. O russo, esse é o pior. A sua tolerância a banalidade me incomoda. Nada escreve que não seja filosófico. A história de um garoto com superpoderes e é o escolhido para salvar o planeta nunca lhe passou pela cabeça. Agora escrever 600 páginas sobre um assassino  aparentemente comum que reflete sobre ser absolvido pela História como Napoleão, isso faz e faz com prazer. 
A vida tem dessas, a mim me restou relatar sobre garotas que não me deram beijos,  partidas de futebol que terminaram em 0 a 0 e alguns personagens idênticos em cada história pintados com nomes diferentes. Por que não eu? Essa é a pergunta que me incomoda e me faz querer em muitas das vezes empurrar todos esses conhecidos que tem sido campeões em tudo para um caixa de papelão entulhada bem embaixo da estante e pintar a escrivaninha com as capas mais bonitas dos mais novos best-sellers. 
Eu os ameaço, eles não se mexem. Sabemos que isso não vai acontecer. Melhor ser medíocre comparado aos grandes do que ser grande comparado aos medíocres.

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