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Mostrando postagens de dezembro, 2018

Curta #18

Quase uma da manhã. Acaba a bateria do computador e fica para outro dia o curtametragem que eu assistia. Tiro de dentro do esconderijo na mochila a caixinha amarela, o dromedário me olha de esguelho, como quem diz: "Este produto causa câncer, pare de fumar!"  Volto os olhos para minha mão e ironizo: "Não aceito conselhos de um dromedário que se acha um camelo". Sigo adiante com o plano. Vou a cozinha e risco o isqueiro, a faísca sai tímida e nunca se transforma em chama. Volto para o quarto para elaborar um Plano B. Novamente na cozinha, perto do fogão prestes a fazer fogo, minha avó sai do quarto e eu bebo um copo d'água, depois de já ter bebido uma garrafa aquela noite.  Na volta, ela me encara e não diz palavra. Penso nas palavras insinuadas pelo dromedário, mas já estou segurando um camelo entre os dedos médios. Acendo o fogão e depressa coloco o cigarro no fogo, num passo só já estou no meu quarto, com o coração acompanhando a velocidade dos pés e os olh...

A última cena #17

- Pra mim chega! Cansei de suas histórias entediantes e seu bloqueio criativo. Me tire de fora dessa. – O homem parado a frente do Sr G. e com um longo sobretudo marrom cobrindo abaixo dos seus joelhos disse. Segurava por entre os dedos de sua mão direita uma pistola p.40 prata lustrada apontada para a cabeça do velho homem sentado atrás de uma mesa repleta de folhas soltas.  O velho tinha os olhos marejados. Mordiscava uma caneta preta e a tragava como um cigarro, mas seus olhos não encontravam o do homem a sua frente. Apenas vagava por entre a estante repleta de livros situada do outro lado da sala, próximo a uma porta pequena de madeira empoeirada, que provavelmente dava para um banheiro. Levantou-se da escrivaninha e passou para outra pequena mesa ao centro da sala, que tinha algumas laranjas murchas e uma garrafa térmica marrom. Ao lado, um pequeno fogão com apenas uma chaleira engordurada em cima. Balançou a chaleira e caminhou para a pia que ficava perto da estante on...

Cenas e sinais #16

O barulho do helicóptero me fez saltar os olhos. Olhei para o teto e vi a sombra do ventilador girando preguiçosa. Ao lado, estiquei o braço para tocar a coxa de Samara. A mão encontrou apenas a claridade da manhã nascente que passava por entre as venezianas e riscava tiras de luz no cobertor enrugado.  Um motor me tirou do silêncio e descobri onde ela estava no cair das águas do chuveiro. Do outro lado, o rádio-relógio em cima do criado-mudo piscando em vermelho, 6:37. Outro dia atrasado. Com o braço esticado e a metade do tronco pendendo da cama para o chão, pesco o cinzeiro com o isqueiro. Dentro do vidro, meio cigarro amassado e um montão de cinza. Acendo-o e dou a primeira tragada do dia. Duas tossidas e da garganta subiu um cheiro de morte. Descalço, vou a pia beber água. Não reparo que Samara tinha voltado para a cama. Está lá, com as coxas brancas ainda à mostra mas não totalmente, seu joelho estava encoberto com um couro preto que escondia até seus pés. Seus cabelos l...

Eu não sou boa influência pra você #15

Nunca rezo antes de dormir. Acordei cedo naquele dia e vi sua face sorrindo para mim. Estávamos alguns quilômetros de distância, mas era detalhe. Palavras frenéticas ditas pela tela, olhares vermelhos de vergonha no encontro desconhecido. Como será a voz dela? O que será que ele está pensando? Gritos de consciência que nunca foram ditas em voz alta. Cúmplices de um mesmo crime, contando histórias do passado e desesperanças que ainda não tinha vindo e talvez, nunca viessem. Selvagens à procura de nenhuma lei que nos tirasse daqueles momentos de risadas ainda contidas e beijos sem língua. Os dias passaram rápidos demais e os encontros se tornaram escassos na ânsia de  não gastar todos os momentos de uma só vez, sobrou o desencontro da partida. Não, não há espaço para arrependimentos de frases que não foram ditas e hoje já estão esquecidas. Não, não tocou Despedida no nosso último encontro, ela preferiu me ouvir falar, falar e falar sobre todas as referências que ninguém quer ouvir...

Angústia #14

Por alguns instantes fitei a mulher que saia aos prantos do bar vindo em minha direção, gesticulando e clamando por ajuda, mas por estar com fones de ouvido, continuei a olhando aproximar desesperada, com os olhos exageradamente arregalados e os cabelos esvoaçantes, contrastando com minha posição estática e o som de chuva calma nos meus ouvidos.  No momento em que apertei o "pause" já havia diversas pessoas correndo para o interior do bar e eu ainda sem saber, fui atrás da multidão mesmo com o risco de perder o ônibus que me levaria para casa. Ao alcançar a porta, não deu para identificar do que se tratava nos primeiros instantes, pelo entra e sai de curiosos e clientes do estabelecimento e pelo alto volume das conversas. Me esgueirei por entre uma senhora de cabelos brancos e percebi o motivo de todo o alvoroço. Por entre os bancos que circundavam o balcão, jazia um homem de cerca de sessenta anos, gordo, grandalhão e vestido com uma camisa regata vermelha e uma bermuda m...