- Pra mim chega! Cansei de suas histórias entediantes e seu bloqueio criativo. Me tire de fora dessa. – O homem parado a frente do Sr G. e com um longo sobretudo marrom cobrindo abaixo dos seus joelhos disse.
Segurava por entre os dedos de sua mão direita uma pistola p.40 prata lustrada apontada para a cabeça do velho homem sentado atrás de uma mesa repleta de folhas soltas.
O velho tinha os olhos marejados. Mordiscava uma caneta preta e a tragava como um cigarro, mas seus olhos não encontravam o do homem a sua frente. Apenas vagava por entre a estante repleta de livros situada do outro lado da sala, próximo a uma porta pequena de madeira empoeirada, que provavelmente dava para um banheiro.
Levantou-se da escrivaninha e passou para outra pequena mesa ao centro da sala, que tinha algumas laranjas murchas e uma garrafa térmica marrom. Ao lado, um pequeno fogão com apenas uma chaleira engordurada em cima. Balançou a chaleira e caminhou para a pia que ficava perto da estante onde ficava os escritores russos. Abriu o armário embutido e retirou uma caixa com o pó de café e também um pouco de açúcar mascavo. Voltou ao fogão e esperou a água esquentar, com cuidado para não deixa-la ferver e logo o cheio de cafeína ecoava por todo o ambiente.
Pegou um copo de vidro pequeno ao lado da pia e encheu-o até a metade com a bebida. Voltou até sua escrivaninha e pegou a caneca verde que desde a noite anterior era rota de passagem de todas as formigas que moravam em algum lugar por trás das paredes do banheiro.
Jogou um pouco de água nela e encheu-a também pela metade com o café. Levou tudo para a escrivaninha. A caneca mais na ponta da mesa, o copo abraçado em suas mãos rente aos lábios. O homem com o sobretudo, havia acendido um cigarro e continuava a apontar a arma para a cabeça do velho, que disse ao outro:
- Beba. Depois conversamos, você parece um pouco cansado.
O homem à sua frente, já não tinha o cigarro entre os dedos, nem o cheiro da nicotina em sua boca. Não havia qualquer vestígio da arma que segurava na mão direita segundos atrás. Sua respiração era rápida e ansiosa, colocou a mão entre sua cabeça e lá aparecera um chapéu de feltro preto que o velho não havia notado.
- Você sabe que eu não posso beber. – O homem com o sobretudo disse, olhando agora para os seus sapatos marrons que raspavam o chão como se jogasse cinzas sob o tapete.
O velho olhou o homem a sua frente por alguns e soltou um suspiro, antes de abrir a única gaveta de sua escrivaninha e retirar uma garrafa com muitas marcas de dedos e um pouco de uma bebida amarelo gasolina.
- Algo mais forte? – Foi o que ele disse, com a voz calma e um sorriso de compaixão nos lábios.
A arma novamente voltara a mirar seus cabelos grisalhos. O homem com o sobretudo, puxava o ar pesado e vez ou outra seus olhos tremiam e uma veia saltava por entre a pele na sua face esquerda.
- Mesmo humor entendiante... Depois de 50 anos não dá pra lhe mostrar os dentes...
O velho não esboçou reação. Ficou mirando novamente a estante de livros empoeirados. Sorveu um grande trago do uísque num copo sujo que encontrou na mesa e bebeu de uma vez. Outro, e mais outro.
O homem a sua frente voltara a face também para a estante de livros. Pegou um livro grosso com a capa dura vermelha e jogou no chão. Depois outro e mais outro, que em poucos instantes a estante estava por cima de todos aqueles livros espalhados pela sala.
O velho colocou mais um pouco de uísque no copo engordurado mas não bebeu. Saiu da cadeira e levantou a estante, depois ajoelhou no chão e ficou examinando os livros, um por um.
Largou os livros e voltou para a mesa, sentou e ficou observando o copo de uísque meio cheio, sem se dar conta muito do homem à sua frente.
Depois organizou o monte de folhas espalhas em sua mesa num único bloco, aquilo era tudo o que ele escrevera em sua vida. Nunca quisera publicar nenhuma de suas histórias.
Jogou o copo de uísque na folha. O homem à sua frente protestou:
- Você está louco? O que você acha que está fazendo? – Ele disse bradando novamente a pistola, mas já sem o sobretudo.
- Estou completamente lúcido, como nunca antes. – O velho ainda completou calmamente: - Você me olha, com os mesmos olhos inquisidores como eu o imaginei da primeira vez, não poderia supor quanto isso era amedrontador. Quis em você, o que nunca tive em mim, mas agora é hora de partimos. Disse o velho quando ateou fogo nos manuscritos e o levou ao centro da sala, por cima da pilha de livros que começara a pegar chamas.
Enquanto o velho caminhava para a porta, o homem o desafiou:
- Vai ser um covarde como foi toda sua vida e me deixar morrer aqui?
O velho parou frente a porta e girou a tranca. Voltou e deitou com seus livros e personagens no meio da sala de estar em chamas.
O velho parou frente a porta e girou a tranca. Voltou e deitou com seus livros e personagens no meio da sala de estar em chamas.
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