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Mostrando postagens de dezembro, 2019

Feliz ano velho #70

As manhãs já não gostam mais de mim ou eu que tenha já não estado com ela por olhar a noite como um caminho que diminui o tamanho do dia e que talvez assim o tempo de pensar também se afaste. Não importa, estou recebendo um diploma, aplausos da banca, meus colegas me abraçam, o dono do bar me resolve dar um chopp de graça, a garçonete sorri com óculos cansados por trás da vista embaçada.  Na ceia farta há doces, frutas e carnes com molhos vários. Cerveja, água com gás, vinho branco, rosé, tinto, seco, água sem gás, suco de laranja com acerola e abacaxi com hortelã, mas não há ninguém conhecido. Quer comer mais uma ameixa preta? Olha, essa tá grandona. Não, obrigado. Nada que um abrir de dentes para mostrar que tudo está bem, não importa como esteja de fato. Ainda tô pensando no que vou fazer com um canudo, pra que vale tudo isso? Pra onde vamos com os paradigmas acadêmicos que tentam, lutam, se esforçam ao máximo para explicar o mundo, mas cospem sistemas vazios e palavras com...

O homem que amava os cafézinhos #69

Não lembro a primeira vez que gritei para o espanto da minha avó: abaixo a mamadeira e o leite com farinha láctea, eu quero café preto e em uma xícara de louça! Só tenho certeza que não foi assim.  Independente da forma, o ato de passar a beber café por conta própria foi um rito de passagem. Não sei bem a idade, mas lembro de criança ver à mesa da cozinha, meus tios, minha mãe, minha avó bebendo café sempre de manhã e pela tarde. Hum, aquilo tinha cor de coca, mas era servido quente e tinha um gosto meio forte. Mas, todos os momentos em que meu avô sentava na mesa da cozinha ou no sofá da sala ele estava tomando aquele líquido escuro com bolhas douradas. Sempre em uma caneca, sempre em todos os horários possíveis. Era tão diferente que havia uma garrafa térmica para ele e outra para os outros.  Naquele tempo, eu achava que não podia (e talvez não mesmo) sentar na mesa quando ele estava conversando com os adultos. Então, enquanto ele sentava na ponta e tomava sua caneca, e...

Cotidiano #68

Não sei, mas acredito que escrever é além do criar tratados, teses ou textos banais. É antes de tudo, observar, fugir da montanha-russa de afazeres por um instante e prestar atenção no voo desengonçado do besouro até vê-lo bater novamente em cheio na parede e virar com as pernas para o ar. É, numa conversa corriqueira do cotidiano, olhar para os lábios do outro e no rubro do canto direito da boca, tentar adivinhar o impossível. Será que ele comeu no café, geleia de morango ou de goiaba? Estou divagando, li por aí que não devo fantasiar. Porém, isso também faz parte do meu canto, por isso, não pude deixar de fora. Pela manhã, é o latido do cão da casa ao lado que me põe de pé, mesmo eu sempre praguejando contra sua vida, sei que vou sentir falta desse hábito um dia. É a chaleira que me encara quando ao passar pela cozinha como quem diz, você está atrasado! É, eu sei, hoje o cachorro não quis muita conversa logo cedo. Com a chaleira e a água do café no fogão, lentamente preparo o filtro...

Como fazer amigos e ignorar outras pessoas #67

Bah, que diversidade é ser e ter amigo. Alguns estão distantes, vivendo lá no fundo da memória que conserva tudo e deixa o passado tão lindo! Parece tão legal as brincadeiras de infância, batendo bola na rua, trocando figurinhas, enchendo o saco do outro porque pisou no chiclete. As cartinhas de amor, sem os amigos para admirar, implicar, invejar, rir e duvidar da letra, mesmo você jurando que é dela, não daquele seu primo que trabalha de escrivão e tem letra bonita, não servem para nada. Que vale o sim  marcado no quadrado desengonçado do "você gosta de mim?", sem eles? Naquela época tudo que se faz é para mostrar que você também é um deles, é um rito de passagem para firmar amizade, ao invés dum desejo qualquer de iniciação amorosa precoce. Quem se importa com isso? Depois tem outros, uns que mudam de cidade, outros que continuam lá ainda mas você quem mudou e já não tem mais conversa, tantos que por um segundo a mais no balanço do parque, o encontro que não aconteceu fa...