Não lembro a primeira vez que gritei para o espanto da minha avó: abaixo a mamadeira e o leite com farinha láctea, eu quero café preto e em uma xícara de louça! Só tenho certeza que não foi assim.
Independente da forma, o ato de passar a beber café por conta própria foi um rito de passagem. Não sei bem a idade, mas lembro de criança ver à mesa da cozinha, meus tios, minha mãe, minha avó bebendo café sempre de manhã e pela tarde. Hum, aquilo tinha cor de coca, mas era servido quente e tinha um gosto meio forte. Mas, todos os momentos em que meu avô sentava na mesa da cozinha ou no sofá da sala ele estava tomando aquele líquido escuro com bolhas douradas. Sempre em uma caneca, sempre em todos os horários possíveis. Era tão diferente que havia uma garrafa térmica para ele e outra para os outros.
Naquele tempo, eu achava que não podia (e talvez não mesmo) sentar na mesa quando ele estava conversando com os adultos. Então, enquanto ele sentava na ponta e tomava sua caneca, eu ficava zanzando pela cozinha com uma xícara de café nas mãos e imaginava também ser ele com sua camisa social com uns três botões abertos e também os vendedores, advogados, médicos, cobradores, devedores e políticos que se sentavam nas outras cadeiras, ou seja ser um adulto.
Depois vi que o café me ajudava a permanecer acordado nas noites de quarta de futebol enquanto a novela das oito que ia mesmo até as dez horas. No outro dia também me ajudava a despertar pela noite mal dormida. Pra frente me ajudou a focar nas tarefas, exercícios, livros, artigos científicos e contra as ressacas. Ademais, eu adorava o fazer café, no circular lento da água do bule até molhar o pó espalhado pelo filtro. Depois, pegava o mesmo e ficava cheirando antes de beber e abrir a página do EL País. O gosto era tão bom que de tempos em tempos eu aumentava a dose e estava sempre com a xícara nas mãos. Tava desanimado? Café para animar. Animado? Café para comemorar. Á toa? Café para passar o tempo. Ocupado? Café para ser mais produtivo. Enfim, toda hora era hora de mais um pouco da bebida.
Num dia acordei num sobressalto, não conseguia me concentrar em nada, os pensamentos iam e viam numa velocidade que me deixava zonzo. A barriga estava como uma bola, mordia os lábios, os ombros pesavam. No outro dia acordei do mesmo jeito e no outro, no outro, no outro.
Por fim, decidi ir ao médico dos despossuídos e caminhei até a farmácia mais próxima. Lá, expliquei a situação temendo ser esse o problema. Me perguntou se eu comia direito, mediu minha pressão, furou meu dedo pra ver a glicose. Nada! Depois me perguntou de soslaio, como quem não quer nada: "E o café?"
De todas as despedidas do ano talvez essa seja a mais difícil, até porque há sempre um cafézinho em qualquer hospital, igreja e oficina mecânica, mas é preciso. Sei que meus dentes e meu coração vão agradecer ao mesmo tempo que também tenho ciência que isso ainda vai me dar muita dor de cabeça. Hasta la vista, amigo!
Comentários
Postar um comentário