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Mostrando postagens de novembro, 2019

Bonitinha #66

É bonitinha, mas é só puxar algum assunto que foge às quatro linhas dos populares da Netflix e descemos para um sem fim de "hum, ah, quê? acho que já ouvi, não, vou ver, quem?, tá, já viu a nova temporada de Insatiable ?" É bonitinha, e quando quer participar da conversa no bar com nossos outros amigos falando sobre o desemprego de 13 milhões, diz que aquilo é mentira, que seu pai viu no jornal e falou pra ela que o PIB subira 1,1% no último ano. Nossos amigos sorriem encabulados, eu, continuo a conversa pra temperatura quente da cerveja antes que alguém pergunte a ela da ação do PIB na economia e temo ela não saber nem o que significa a sigla.  É bonitinha e além disso tem um sorriso branco e uns lábios escarlates que me fazem esquecer que compartilha no Facebook sobre signos e terraplanismo e diz que as placas de papel coloridas na nossa estante estraga a decoração, que se aquilo não podia ser todos de uma cor ou pelo menos uma fileira de cada tom. Eu sorrio e abraço ela...

Alfaces me mordam #65

Você que acha que comer carne é ético? Como assim? Eu nem sabia o que era ética em 2010, imagina se se alimentar um animal morto para satisfazer os desejos do paladar mais sádico e ainda recheá-lo de queijo era o mais correto. Era um camping  de férias, eu só tava tentando me alimentar e a garota líder da equipe verde da gincana me fez essa pergunta olhando com a cara de nojo. Depois daquela hora, o final de semana inteiro fiquei andando sozinho e na barraca o maior tempo possível para não pisar numa lagartixa ou tapear um pernilongo sedento.  O tempo passou, deu tempo para googlear o que era ética e ver mais gente falando sobre "vegan is the future". Eu tinha que parar de comer vaca, porco, galinha, peixe-frito, lagosta (mentira, isso eu nunca comi) e até fandangos de presunto eu tive que abdicar pelo bem da causa. Meus amigos do movimento vibravam seus copos de chá de pêssego e tortas de berinjela com soja.  Eu só usava algodão, minha carteira era de couro falsific...

Não se mate #64

Carlos, sossegue, o amor é isso que você está vendo. Ou não mais, já passou o hoje e o amanhã e segunda ninguém sabe o que será. Beba o vinho que você não bebeu com ela, sopre a fumaça do cigarro que por muito tempo estava preso dentro da gaveta trancada de sua escrivaninha. Sua casa desarrumada ficou como os vizinhos que vigiavam enquanto vocês andavam para a sacada e gritavam gemidos para a rua.  Ela não está mais aqui, olhe para a cama vazia e peça que o sonho venha depressa para que não chegue ao ponto de você decidir beber outra garrafa que já acabou e todos os bares fecharam pela hora tardia. Olhe para os livros, os discos perdidos, de novo para a rua quieta e escute as luzes se apagarem. Havia um pássaro azul em seu quarto que queria fugir, conseguiu. Só sobrou você e suas circunstâncias, como sempre, só vocês dois. amor cachorro bandido trem.  Leva, leva embora todas as memórias, porque não pode restar nada sobre o lençol ainda molhado de suor. Amanhã o despertado...

Mediocracia #63

"Ô Rita! Quando é que você vai mudar para o condomínio da Vila Esperança?" A bolsa Chanel vermelha era de uma prima do marido que comprou num Duty Free e esquecera na visita aos parentes, e agora era ostentada no colo com o símbolo dos "C" se cruzando sempre virado pra frente. "Como assim? Vem pra cá, aqui é perto de tudo! Tem um Shopping do lado e um salão de festas a duas ruas de casa." A mão com alguns anéis com um dourado já riscado, segurava uma cigarrilha com um cigarro apagado prestes a pegar poeira no tabaco. "Não, não,  a festa do Miguel vai ser no Salão tipo o Fasano, na zona sul e tudo. O daqui é muito pequeno, é bom só de saber que tem mesmo por perto." O jornal do dia dobrado do mesmo jeito que fora deixado no jardim, agora ocupava a sala perto da mesa de canto e servia de privada para o cachorro. "Rita, porque você não arruma um pra você também, acho que vai fazer bem." O shake de framboesa quase caíra no tapete que ...