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Mostrando postagens de setembro, 2019

No meio de tudo, você #57

"O mercado se racionaliza a cada época em função das demandas das sociedades modernas para capturar o consumidor e transformá-lo em mercadoria". O celular toca na mesa, o professor no centro me fulmina com para que eu desligue o aparelho, mas saio da sala pra ouvir a voz dela. "Você sabia que nesse momento um míssil teleguiado atinge uma mesquita em Damasco?" Agora não posso, me desculpe. A amazônia pega fogo e a terra gira com mais gás carbônico no Antropoceno, o juiz que cede um habeas corpus  pro filho do deputado não é o mesmo que marca pênalti da falta fora da área. Eu sei, concordo também que os cachorros de rua merecem viver e que as fake news podem ser o mal dos novos tempos, mas agora preciso atendê-la.  O chuveiro queimou, o correio atrasou, o tênis furou, mas depois eu vejo tudo isso, agora não posso, ela está me chamando. O trânsito está parado nesse trecho e alguém me diz que a câmera do meu celular tira foto do meu rosto todos os dias, mas agora nã...

Retrato do intelectual quando velho #56

Giz, lousa e mais um dicionário de conceitos. "Professor, professor, posso enviar o trabalho por e-mail?" Carlos passava os dedos engordurados para limpar algo nos lábios. Encurtara os cabelos e aumentara o quadril das calças. Uma pilha de livros, outra de provas mal-escritas pelo aluno 11 da chamada. Um jovem sorridente abraça a esposa na foto ao lado do monitor. Em qual tese esquecera aquele sorriso? Ou será que aquilo se perdera na utopia que não veio? "Vamos tomar uma cafézinho, Carlos?", "Adoraria Maria, mas estou tentando parar de fumar, sabe como é?" Bebeu um pouco do chá morno e pensou: "Como o homem é revoltado com sua condição e luta para ser algo a mais tal qual não sabe bem o que. Qual o sentido?" Alguns vestem ternos e gritam à procura de Deus. Carlos, não os julga, não mais. Também já achou que o futuro já estava definido e separado em livros divididos em línguas estranhas, a diferença é que era dividido só em capítulos não em ...

O filho que eu queria ter #55

É comum a gente sonhar, eu sei, quando vem o entardecer. Esses dias dei de sonhar em ter um filho ou uma filha, o gênero não importa tanto, nem a mãe, nem a idade e nem o pior desgosto que um filho pode dar ao pai, torcer pro time rival. “Mas, você acabou de chegar na fase dos vinte, cadê o emprego estável, o relacionamento estável, o governo estável pra pensar nessas  coisas?” Só o que fica estável é o que está morto. Porém, caro leitor, uma pergunta mais auspiciosa que a de cima que também fico me perguntando é se: “Serei do time daqueles que tem capacidade de ser pai?” Acho que ser pai ou mãe é igual um relacionamento monogâmico, alguns realmente não nasceram pra isso. Às vezes fico pensando no menino lendo na minha escrivaninha e na menina jogando bola dentro de casa, em quando eu ensinar ela a andar de bicicleta e ele  a fazer barba. Em quando ele ou ela vir me pedir conselhos sobre o sentido da vida e coisas da metafísica, com o olhar arregalado esperando de mim a res...

Pra não dizer que não falei das dores #54

2880 horas. Parece muito mas de perto é pouco tempo. E depois, o que vai acontecer? Perderei cidadania e andarei como refugiado atrás de algum lugar pra chamar de pátria. Não quero pensar em minutos. 172800. Só um minuto numa aula desinteressante ali, outros mais tantos na conversa no almoço do R.U. comendo bobagens, falando besteiras. Depois o outro dia passa e a noite ajuda a esquecer. Lembra quando a gente era jovem e invencível? A gente falava, ria, bebia, fumava, beijava, fingia, às vezes estudava mesmo, jogava, lia, dormia, ria mais um tanto, como a gente era bobo! De vez em quando a gente transava, mentia, viajava, se abraçava, emocionava, prometia que nada acabaria, que ia fazer uma tatuagem ou cheirar uma carreira na bunda de uma prostituta como naquele filme da TV.  10368000. Todos esses segundos pra dizer que a vida continua. Dizem que vou conhecer mais gente, encontrar um amor e talvez viajar pelo mundo. Que a vida é seguir em frente, e o que ficou para trás, não vale ...