Você não conhece a palavra saudade. Não conhece o sentimento calado que jorra por entre as veias de quem lhe escreve essas linhas. A língua do beijo nem sempre se comunica da maneira correta. Agora me vejo aqui pensando nas noites que passamos juntos por entre as ruas de pedra sabão conversando em um inglês carregado. O seu carregado de alto e baixo alemão e flexões radicais. O meu carregado de um sim, eu digo sim, eu quero sim para qualquer coisa que você sugeria, como se minha obrigação fosse mostrar todos os arredores e contar todas as histórias de um lugar nunca visto, como aquele que inventa uma informação para não dizer que não sabe.
Mas agora eu sei. Depois de todos esses anos eu sei. Sei que o bilhete escrito a lápis e dobrado cuidadosamente na minha cama era o prenúncio do fim de um amor que ainda não começara. Ainda não sei o livro que não consegui identificar o título que você lia pacientemente enquanto carregava consigo o gesto polido e os olhos calmos de quem sabe mais do que o mundo inteiro. Não consegui te perguntar se você sentou ao lado da Mafalda, se gostou do sabor de uma fugazzeta recheada, se visitou uma daquelas livrarias abarrotadas e de portas minúsculas.
Você disse que sim, que existia sim, que havia sim uma palavra que correspondia a aquele sentimento que eu já conhecia antes de você partir. Sehnsucht. Mas não era falta que você sentia, apenas um anseio ou um desejo e você disse que não era comum de ser dito, que sim os alemães tinham uma língua rica, o que lhe faltava era essa explosão pueril engabelada pelo clima tropical que a deixava com náusea e um topor na cabeça.
Cigano, percorro em vão aquelas ruas apertadas, os albergues daquele bairro, sem deixar de sempre fazer uma parada no Continental, como se pudesse existir a possibilidade vã de um retorno, de que você estivesse também querendo me encontrar por ali, como dois personagens de Bolaño numa busca interminável que nunca se encerra. Querer voltar para Chile sem nunca ter botado os pés a oeste da cordilheira dos Andes e viver todos aqueles momentos que nunca mais alcançarão a realidade.
Para onde enviar essa correspondência, se não riscamos nossos números de identificação que pudessem nos aproximar? Melhor assim. Você sugeriu e eu aquiesci em silêncio e um aceno de cabeça. Como se tudo isso fizesse aquele sentimento restar imobilizado como em uma fotografia relevada e guardada por entre outras sortes de suvenirs que já não dizem mais nada. Perdi o tom da sua voz por entre as malhas do tempo, mas sinto que a reconheceria num sussurro proferido entre a multidão. Ah, se eu pudesse encontrá-la e mostrasse que agora sim teríamos todo o tempo para percorrer os escombros de uma cidade que no passado fora portentosa, caminhar por entre as ruínas do tempo, caminhar por um passado que insiste em não passar, mas que transfigura a sua imagem e confunde a ordem correta de consoantes tão estridentes que carrega em seu nome.
É meu consolo acreditar que está sofrendo. Agora só posso rememorar quando se despia sem pudor ou sensualidade, como se tivesse caminhando por entre as florestas da Saxônia ou pelas montanhas Harz sem se preocupar com qualquer coisa. Queria te ver da mesma forma, com o semblante sereno e o sorriso que lhe fazia encolher os ombros quando eu riscava minha barba pelas dobras do seu queixo fino.
Apenas um estrangeiro para beber mescal ou fernet com coca enquanto fingíamos ser um casal em todos os bares costeiros de Puerto Madero ou nas sorveterias de Palermo. Você disse que um dia queria aprender todas as regras gramaticas de uma língua que não conhecia, pedia também que eu fizesse o gesto vocal de palavras que não significavam nada e que eu falasse a língua latina para impedir que todos os vendedores nos cobrassem o triplo do valor real.
Não consegui te recitar todos os poemas de amor e restou apenas uma canção desesperada, mas volte, voltemos. A cada dia penso em largar tudo e tomar o primeiro avião com destino a Frankfurt para te explicar de uma vez, o significado dessa palavra, o poder de um vocábulo que você nunca chegará a conhecer, o significado da perda, de uma cerveja feita de milho, de uma noite passada em branco pensando em que termos poderia te recompor aqui e agora, como um cinema na cabeça, coisa que eu mesmo nunca entendi.
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