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A Cerimônia Secreta

 Os olhos se moviam mais depressa que o normal. Seu estômago apesar de vazio tinha o frio cortante do baço. Seus dedos finos faziam movimentos involuntários. Tudo por uns sussurros. Sussurros que os mais velhos mantinham pelo olhar de um segredo compartilhado com alguns escolhidos. Nem todos. Nem todos percebiam essa comunhão aos eleitos de que algum evento importante se aproximava. Alguns sim. Mas só um deles se aproximou e sem disfarce mostrou que tinha interesse em saber. As luzes de fora estavam iluminadas apenas pelas motos dos guardas. Já haviam passado o horário da chamada. Só era possível sair do alojamento por alguns minutos para beber água do bebedouro do setor. Os novatos haviam chegado no fim de semana e puderam ver os diferentes carros e amizades construídas que iam se afunilando entre os outros, enquanto eles tremiam de exultação e pavor. Outros homens se aproximaram das lideranças daquele alojamento. Ia acontecer. Era só passarem pela vigilância do senhor Domingos e de seu ajudante, "mãozinha", apelido que reforçava seu problema fisiológico. 

Não havia a possibilidade de um novato participar da cerimônia. Aconteciam apenas uma vez por ano e parecia sofrer dos efeitos de uma tradição que se perderia pelo anacronismo de sua permanência e o começo de uma nova época. Então eram essas as aventuras lidas nos livros da infância. A reunião que ainda não se sabia porque, seria em uma das habitações da parte alta, e pelo que se sabia estava nos últimos preparativos. Apesar de pensar em dormir, em aproveitar o tempo livre dos mais velhos para esquecer suas provações, o gosto pela descoberta gritou.

Assim que se subia a pequena trilha de terra em meio a grama, um dos novatos conseguiu ser empurrado para dentro da porta branca sem saber o que lhe poderia acontecer. Sentiu o peso de ser o centro dos olhares, quando se esgueirou por entre a porta em meio aos últimos que chegavam para a cerimônia. Os olhares se dissipiram novamente para o corredor entre as beliches. Alguém segurou a maçaneta e dois ficaram de guarda em cima de uma das camas para olhar pelo vitror colado no teto. 

Perto da porta, no  pequeno centro disponível diante de tamanha concentração de espectadores, estava um jovem como um lençol branco sobre os ombros. Tinha um pequeno livro azul nas mãos. Da outra ponta, estava um jovem com outro lençol branco sobre a cabeça que sorria enquanto ouvia gritos exaltados e maliciosos. Com o braço esquerdo enganchado sobre o outro, seu noivo de cabelos lisos e de feições indígenas, com os lábios herméticos,  tentava se controlar em pé apesar dos tremores, enquanto era ovacionado pelos outros. Não parecia feliz.  O jovem padre chamou os noivos. O noivo ficou indeciso mas acabou caminhando de braços dados com a noiva. Ao chegar os sorrisos iluminavam todos os rostos, menos alguns raros, seja o trauma do casamento que sofria o noivo ou o medo dos novatos de sofrerem de outras artimanhas de mentes tão malignas. Quando o padre iria começar o discurso, foi interpelado por um dos organizadores que temia a descoberta pela vigilância do ato, proibido desde a turma de 2008. Precisava terminar e só ficou o vestígio das últimas palavras: Eu os declaro marido e mulher. O noivo pode beijar a noiva. ". E assim se fez.

Logo todos os garotos se dispersaram e voltaram aos seus quartos. 


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