Os pássaros me lembraram que eu deveria ir ao banheiro. Não por uma necessidade fisiológica mais por uma curiosidade de estar ali. Foi paixão à primeira vista. Aquele era o banheiro perfeito, com azulejo pequeno e oco, um espaço vago para encher de livros, tal qual Pierrot do Godard, tá ligado? Sento na privada e penso sobre a minha vida. Daqui a pouco vai amanhecer e talvez eu consiga fingir que dormi que nem um anjo.
Volto para o quarto de taco e acho aquele apartamento ideal se um dia eu pudesse pagar um apartamento daquele. Aos pés da cama, ouço os pássaros e meus olhos guiam para a janela cercada pelas grades de proteção. Olho para a geometria disforme dos prédios que se avizinham com seus respectivos apartamentos e tento identificar um crime cometido às pressas assim que a manhã se espreguiça. Ah, se eu tivesse um binóculo!
Olho para o prédio em frente, as cortinas estão abertas e posso ver a sala-cozinha que fica na outra ponta da rua com um barril de Heineken em cima da mesa. Por quê o cara que mora ali não fecha essas cortinas: Certamente quer ver uma vizinha seminua e fazer brincadeirinhas estúpidas. Filha da puta! Olho para baixo, mais ao lado esquerdo e vejo uma bicicleta ergonômica perto de uma mesa de jantar e uma geladeira com muitos imãs. Possivelmente é um casal, será que já são avós? Certamente, a bicicleta é dela.
Os pássaros fazem um redemoinho e ao me distrair volto para o apartamento de frente. Um par de peitos me encaram, tento me recolher por detrás das cortinas. Mas sinto que fui muito efusivo e agora eles sabem que eu os vi. Volto a cabeça devagar e faço o panorama das janelas. Os peitos não estão mais lá e as cortinas continuam abertas.
Filha da puta! Eu sabia que ele era um filho da puta, mas pelo jeito agora a história se encaixa. Esse cara possivelmente não ganha nem pra pagar o condomínio, ainda mais um aluguel desses, deve tá comendo a esposa de um marido que viajou a negoc... Mas, pera aí... Será que elas são irmãs ou é só uma coincidência?
Será que: Então eu estou quase para divorciar, mas é muito difícil porque meus filhos não aceitam, sabe? Sim, tranquilo. Você é o primeiro que trago aqui, sinta-se lisonjeado, viu: Não há de quê, mesmo! Esqueça o Rubens, ele é mais antigo sabe, porteiro há muitos anos na casa, pode deixar que eu cuido dele.
Os pássaros de novo começam a sua gritaria. O que será que eles planejam toda a manhã num ritmo tão sincronizado? Ou será que é só hoje... Tá aí, os pássaros daqui são católicos, estão celebrando as bençãos do Natal. Eu pagaria caro para ver o almoço natalino daqueles membros ilustríssimos da família tradicional brasileira.
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