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O ser e a estupidez

 Não consigo me reconhecer. Cumpro a cartilha às avessas de tudo aquilo que forjei ser meu domínio, minha índole. Lembro que até pouco tempo, lamentava profundamente ter de me relacionar com conversas banais e carinhos avulsos por algumas noites, para no outro dia, amargar uma ressaca de não resistir em relações da carne. Como a música, a literatura, o cinema, a teoria crítica não me bastava? 

Meus relacionamentos mais duradouros sempre operaram na lógica de flerte e conquista, para desaguar em contato sexual apenas uma ou duas vezes por mês. Nesse meio tempo, mantinha um contato frio, era meu jeito, nunca consegui ser romântico e a humilhação pública do amor me nauseava. Não havia maiores sentimentos que passassem a figura do cômodo, de não ser um completo párea, de agradar alguém no mundo e produzir um parco desejo nesse outrem.

Sempre coloquei minhas aspirações primeiro, sendo elas altas, nobres e lúcidas ou inúteis, apenas para comprovar que só eu me governo e nenhuma influência do outro, principalmente do par romântico, tem efeito sobre mim. Eu me achava egoísta e você, daí do outro lado, pode confirmar sem penitência do relator.

Mas, caí. E vi que o sentimento em relação ao outro, que se convém chamar de amor, é sentimento mais egoísta que qualquer comportamento narciso. Nada é compreensível para o amante obcecado. Está cansada e quer dormir mais cedo? Você realmente não pode ter mais uma falta do trabalho? Sua mãe morreu? Nada disso justifica a ausência do outro quando se está nesse estado.

Me sinto um prisioneiro e algoz da própria condição de amante obcecado. Não importa o quão democrático você diz ser , nem todas as boas promessas que sempre defende na frente do púlpito público. Só a outra pessoa lhe interessa e ela só interessa se estiver junto com você. Sinto-me, uma águia presa em uma caixa de sapato, assustado, enraivecido, desorientado como nenhum texto conseguiu me atingir.

Abandono o sonho da minha vida dandi, meu pós-doutorado na França, o jogo do Corinthians, ao inferno minha revisão da dissertação... Inclusive, esse texto foi pausado para responder uma coisa banalíssima, mas infelizmente é assim. Será isso tóxico, como se propagou no linguajar internetês? Se for, entrarei na guerra sem máscara.

Comentários

  1. Me perguntava como não havia lido antes, mas percebo que li no momento ideal

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