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Um porco que cai

 A tela sem aviso prévio começa a arrolar um vídeo de um porco, que não se sabe morto ou vivo, caindo com a boca aberta sob a malha de lâminas de aço que vão consumindo seu corpo inerte sem marcas de sangue e num instante, não há qualquer sinal do animal ou prova do ato consumado. O horror! Já nos alertava o Coronel Kurtz no romance de Conrad, transfigurado no filme de Copolla.  Sob pena de exercer a violência bruta e antipática digo que me faria mais mal ver o corpo rosáceo do quadrupede deitado no meio da lama. O torpor corrói as estranhas mais sólidas da alma. 

Não se trata de representação, mas de criação, como bem falou Deleuze. A arte é criação de perceptos e afectos, produtora de sensações que nos faz nos tirar de nós mesmos sem que incorporamos o outro. O tédio é o pior dos castigos que alguém pode sofrer. Por alguma razão ou desvio de conduta, sempre imaginei situações para além do vivido. Por exemplo, ainda me imagino no julgamento sofrendo a pena de um crime que ainda não cometi - e talvez nunca cometerei - solicitando ao meu defensor, não a redução da pena, mas a disponibilidade um espaço onde eu pudesse lidar com livros e folhas soltas para passar o tempo. Às vezes tenho a percepção que nunca poderei estar mais livre, sem os afazeres do dia-a-dia interrompendo a minha vida. Pra mim, é melhor entender do que viver. Talvez, caro leitor(a), para você não seja esse o caso, onde a arte não fede nem cheira, por isso não insista. Não se sinta estranho, quantas vezes você já se imaginou fazendo coisas, só para fugir do cômodo? Pediu café-com-leite sendo intolerante a lactose? tomou banho com a luz apagada de noite, beijou alguém precisamente porque a pessoa era pouco atraente em sua concepção? - não estou em condições de discutir o belo, por isso  recorro a subterfúgios. 

Se conformar é estar morto. Tenho medo de uma vida perfeita, onde tudo se encaixa em umas peças de lego, mas tenho a consciência dos desprazeres de um modus vivendi que abraça o erro, só porque está tudo nos conformes. Não quero mudar e nem afirmar que é o melhor jeito, até porque se fosse o melhor eu não queria estar fazendo. Sim, sou egoísta, mas é que tento ser diferente e vem o conceito aqui simplificado mais pela burrice de quem vos escreve do que pela profundidade do autor do"O eterno retorno", "O eterno retorno"  é uma linha reta - apesar que isso é reconhecidamente uma apropriação de Deleuze sobre Nietszche do que qualquer outra coisa. É fazer tudo pensando, "gosto tanto de fazer isso de que faria isso pela eternidade", mas não os mesmos livros, escritos e reflexões, mas a possibilidade de vir a ser; 

Novamente, caio no exemplo do Sísifo de levar sempre uma pedra para o morro e deixá-la cair, levar uma maior, uma menor, subir sem nada, isso é liberdade. Não é não levar a pedra, mas levar como eu quiser. Isso que eu quero da vida.


Comentários

  1. Achei de um excesso pedante, altamente esteticista. Palavras vazias, avulsas. Lamento profundamente ter lido tudo isso. Antes não tivesse sido alfabetizado. Terror.

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