Pular para o conteúdo principal

#02 Don't fuck with writers - Pulsão de vida e morte

 As conversas pela tela quase sempre são enfadonhas e se encerram pelo enfado de si mesma. Era uma noite infernal de um fim de semana que eu não iria sair com meus amigos para beber alguma coisa e chutar os portões que encontrasse pelo caminho, apenas por diversão. Recebi uma notificação. 

O papo parecia que ia seguir os caminhos de sempre, sem um final ou despedida, mas também sem ressentimentos de ambos os lados, apenas uma sensação fugaz da perda de minutos pensando em infinitas possibilidades de rolar alguma coisa. 

Adorei seu cabelo. Você estuda na UNI... Sim, faço Medicina e você? História... na UNI... Só na UNI... que você faz História? ha-ha. Ué, sempre é bom conhecermos novos lugares. O que você gosta dentro de quatro paredes? Talvez, que as coisas não fiquem apenas em quatro paredes. Hmm... Vamos beber? Vamo no Esp... Muito longe, que tal você vir no Alv... Não! Aí pra mim que é longe. Vamos assim, ó, bebemos então no J... meio caminho para os dois. Fechado? Fechado! Diálogos reduzidos para não cansar a paciência do leitor. 

Eu fui de camelo como o Eduardo, ela de Uber, uma espécime de Mônica moderninha.  Bebi cerveja, ela  pegou uma caipirinha de tangerina. Papo lá, papo cá, resolvi mostrar que sou viajado e narrei minhas desventuras na capital portenha por longuíssimos cinco dias, ou será seis? Enfim, ela riu sem ironia e se mostrou interessada e me contou que fazia três meses de sua viagem lá com seus pais e pouco mais de um ano de seu intercâmbio de seis meses no Canadá. 

Agi com naturalidade quando ela me mostrou o barco do seu pai e me convidou para continuar aquela conversa em outro lugar. Na casa dela, é claro. Adorava meu cafofo mas não dava, né? Minha cama rangia e meu quarto tão pequeno que dava a claustrofobia de uma caverna do Novo México.

Descemos às ruas esburacadas, ela a pé e eu empurrando a bicicleta. Às vezes olhava para trás apreensivo, mas não via mais do que um cachorro vagando atrás de comida.

Chegamos em uma rua sem saída e paramos perto de um portão grande e branco e pude ver três quadras por detrás dos apartamentos. 

- A do meio é a de tênis! Se quiser, vamos lá um pouco.

 Aos finais de semana segundo ela, seus vizinhos (um policial reformado e um advogado trabalhista) sempre viajavam. 

Entramos e vi uma silhueta negra de pé em cima da janela e me afastei num impulso. Ela riu a gargalhadas. Quando a luz se acendeu, vi um gato cinza me encarando.

- Astolfo, vem cá!

Era um pequeno loft, com um grande ar condicionado em cima de uma King-Size. Ela pegou uma taça Borgonha e uma garrafa pela metade de Gato Negro. E sentamos no alpendre em uma mesinha sobre um gramado baixo. Ela ofereceu a encher a taça para mim e depois enrolou um cigarro de maconha. Bebi. Fumamos. Rimos. Segurei na ponta do seu queixo fino. Ela ficou séria. Fomos para dentro. Tirei a roupa dela e devagar marquei todo o mapa do seu corpo pela minha língua. Ela implorou com os olhos, com o rosto aflito. Busquei a carteira, mas estava em cima do balcão. Ela percebeu e sussurrou que tinha DIU, não teria problema. Cogitei por um segundos sobre ela estar mentindo e todos os riscos de uma transa sem proteção, mas afinal ela era a médica, não é? O tesão aprisiona a sensatez e aprendi a não discordar de especialistas. 

Transamos. Fumamos. Transamos novamente e dessa vez cogitei penetrar seu ânus liso quando transávamos de ladinho. Desisti e a virei a de frente e enquanto a mão esquerda acariciava seu abdomen que se repuxava toda vez que sentia minha pele e outra mão segui por seus dois seios redondos que eu levemente mordiscava. Depois pressionei meus polegares nas laterais do seu pescoço e reduzi o fluxo de ar em seu sangue. E isso aumentava até ela levantar a mão trêmula dando sinal que estava perdendo a consciência, eu relaxava a pressão por uns instantes e voltava a gradativamente interromper o fluxo de sangue. Ela tremia toda e cada vez mais era difícil segurar o gozo que veio com um urro roco e uns soluços de outra parte.

Tomamos um banho juntos. Ligamos o ar condicionado no 19 e resolvemos assistir um pouco de Netflix. Ela levantou e pegou mais uma taça de vinho para mim. Depois deitou colocou uma blusa grande e deitou com a cabeça encostada em meu peito. Dormimos.

No outro dia, acordamos e transamos. Eu sempre gostei do sexo matutino e acho que deveria escrever um ensaio sobre o tema. Tomamos um banho e quando saímos ela pegou a celular e ficou em transe por uns momentos. O que tinha acontecido? Ela ficou sem voz. Uma amiga tinha se suicidado na noite anterior, enforcada.

Não soube o que dizer naquele momento e simplesmente a abracei. Depois nos despedimos sem clima e eu fui embora. Nunca mais nos vimos e agora sinto o mesmo calor de uma noite de verão e ainda fico impressionado com certas semelhanças entre a nossa e a vida dos outros.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O ser e a estupidez

 Não consigo me reconhecer. Cumpro a cartilha às avessas de tudo aquilo que forjei ser meu domínio, minha índole. Lembro que até pouco tempo, lamentava profundamente ter de me relacionar com conversas banais e carinhos avulsos por algumas noites, para no outro dia, amargar uma ressaca de não resistir em relações da carne. Como a música, a literatura, o cinema, a teoria crítica não me bastava?  Meus relacionamentos mais duradouros sempre operaram na lógica de flerte e conquista, para desaguar em contato sexual apenas uma ou duas vezes por mês. Nesse meio tempo, mantinha um contato frio, era meu jeito, nunca consegui ser romântico e a humilhação pública do amor me nauseava. Não havia maiores sentimentos que passassem a figura do cômodo, de não ser um completo párea, de agradar alguém no mundo e produzir um parco desejo nesse outrem. Sempre coloquei minhas aspirações primeiro, sendo elas altas, nobres e lúcidas ou inúteis, apenas para comprovar que só eu me governo e nenhuma infl...

Carta de amor descabelada #60

Escrevo essas linhas iniciais, sem saber o que te dizer, depois de tanto tempo, o que sobrou de nosso amor? Eu cortei o último fio que nos unia, mas como dói! Sempre fui contido em expressar meus sentimentos por você, mesmo quando todos nos apontávamos como o casal mais belo. Sempre diziam: "Vocês dois ficam tão bem juntos!" ou hora outra apontavam pra gente na multidão e sacramentavam o nosso laço, éramos como vinho e cool jazz numa noite sem lua. Eu sempre carrancudo, ignorava os elogios e seguia satisfeito por dentro, mas sem uma palavra de carinho dita em voz alta na frente do espelho.  Como era refrescantes nossos banhos no verão, enquanto a água escorria por você até me molhar e expelir para o ralo o calor a queimar o forro do nosso pequeno banheiro. A água quente amaciava nosso corpo no inverno, depois deitávamos em nossa cama, pensando em tanto daquilo que a gente nunca iria ser. Éramos felizes e sabíamos. O vento gelado persegue minha nuca mesmo nas tardes mais qu...

Presente do indicativo

Fomos muitos, mas em que ponto deixamos de ser esses tantos para nos tornamos outros. Ou sempre os mesmos num círculo imaginário. Um acorde musical te guia para lembranças de um passado recente. Onde o ontem parecia melhor que o amanhã e assim por diante. Postes iluminados virados para o oeste, para o pôr-do-sol, para o que se passou. Os fins tornam-se objetos de valores mais altos que os começos. O fim carrega consigo o caminhar a contra ritmo em fatos já passados. Pelo menos conhece-se o inimigo. Mas e o agora? O caminho para onde o nariz aponta é tortuoso e vário. Pensar que não se pode ser aquela pessoa que tanto se sonhou pode significar a apoteose da consciência. Não poderei ser o homem que primeiro pisou em Marte. Ufa! A marcha às vezes é lenta como se sempre houvesse tempo e por vezes acelerada pelo pavor do nunca mais. As métricas estão em revolução e não há possibilidade de fazer tudo, mas tem tantas coisas e tantos que se queria ser... Quantas batalhas internas deve-se lutar...