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Crônica de uma morte anunciada #59

Ele andava sempre fugindo aos encontros com ela. Quando criança, tinha uns cinco anos, primeiro dia na escola, a mãe besuntou seu rosto de protetor solar enquanto ele se irritava com a a massa branca oleosa na pele. Na hora do portão, viu alguns amigos chorando sobre os braços de mães aflitas que acompanhavam os meninos na sala, como aquilo era engraçado, como tudo! Mas aí depois de todos sentarem em roda ela contou a história da chapeuzinho vermelho e que o lobo mau havia morrido para o caçador. Os outros meninos pularam com o punho em riste, as meninas suspiraram aliviadas. Ele olhou para a mão, mas fingiu sorrir, não sabia o que era aquela palavra, morte. 
Encabulado, esperou sua mãe voltar para buscar aquele dia, ainda meio cabisbaixo, a professora chamou a mãe para um canto e contou aos cochichos que ele tava meio amuado e que isso devia ser coisa da sopa de fubá do recreio. A mãe se aproximou e ele apertou seus dedos miúdos na mão grande e pintada de rubro nas unhas. "Mãe, o que é a  morte?" Ela apontou para a frente, havia um vendedor de picolés, e ele foi correndo saber se tinha o de uva, sem mais lembrar da hora da história.
O tempo foi passando e um dia assistindo o desenho na sala, escutou um grito da cozinha seguido de um choro infantil. Era a mãe que sentava na cadeira com os olhos em lágrimas e viu os irmãos menores chorando também pela confusão. Segurou o choro e perguntou pra mãe o que tinha acontecido, ela apertou sua cabeça sob o peito e disse baixinho: "Sua tia morreu, ela vai pro céu virar um anjinho". Naquela tarde ficou olhando para o céu azul com nuvens brancas, não conseguia ver ninguém, depois chegou a noite e as estrelas, nem sinal da tia. "Vem pra dentro tomar banho!" Ah, logo agora que ela podia aparecer. Depois cresceu, a voz engrossou, os primeiros beijos aconteceram, ia sozinho para a escola e já sabia fazer funções de 1º e 2º grau, ou pelo menos fingia que sabia. Mas nenhum sinal sobre a morte, mas viu que um dia a avó chorou, outro dia a mãe de novo e quando foi visitar os outros avós, também parecia que todos estavam tristes por esse motivo. Mas apesar de que a mãe sempre dizia "foi seu tio-avô" ou "um primo de segundo grau" aquilo não o tocava, porque ele não conhecia aquelas pessoas e por mais que ficasse em silêncio na oração, se esforçava mas nunca conseguiu chorar. Nunca ia ao cemitério no dia de finados, nem no velório na morte de algum conhecido na cidade. 
Mas, um dia, bem mais velho, com barba na cara, saiu do banco às três horas e olhou no celular para ver a hora de pegar o ônibus 043. Havia cinco ligações da mãe e mais outras três do celular da avó, até seu pai tinha ligado uma vez e o celular no silencioso impediu que ele vesse. Alguém morreu, ele tinha certeza. Saiu do banco apressado e vagou sem saber para onde ir enquanto o celular tocava, novas chamadas enquanto ele fingia concentrar na programação evangélica da rodoviária.  Um homem de meia idade e camisa amarela ditava: "Irmãos, quem crer em Jesus ainda que esteja morto, viverá, não se desespere, porque o Senhor..." O celular impaciente gritava chamadas de uma morte que ele não queria encarar. Levantou-se dali e partiu com o toque no bolso, seria o seu tio Paulinho? Ou seu avô que estava de cama? Pensando bem, o primo trabalha na polícia e... Não, não podia ser nenhum dos seus irmãos. Os passos vacilavam mas aumentavam de velocidade enquanto a cabeça maquinava quem poderia ser, um vendedor de pipoca, um grito na mesa do bar, vozes cada vez  mais distantes, a buzina, nenhum passo a seu redor, a buzina, um clarão e um último toque de buzina. Quatro horas, o ônibus 043 nunca atrasava.  

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