Sua face sólida e seus bigodes grisalho sempre me fazia baixar os olhos quando me encarava. Seus olhos, geleiras verde-acinzentadas num fim de tarde da solidão polar. Nunca os olhava de frente, nem mesmo hoje, quando tento os descrever olhando seu quadro vivo na recordação. Mãos ásperas e duras e dos seus braços reluzia um dourado desbotado que contrastava com sua descendência caucasiana.
Braços de luta no campo, onde o cabo cheio de calos da foice encontrava o de seus dedos, que nunca soube domar uma caneta. Tudo bem, o alimento nunca foi cultivado nos livros. Ali, as montanhas das gerais o vigiavam de longe, a mata de perto, enquanto derramava suas primeiras gotas de suor no chão de barro seco, ainda na tenra idade de seis anos, conforme gostava de lembrar.
Suas pernas eram curtas e brancas, com as noites que viriam a seguir, quando ainda na mocidade saiu de casa depois de brigas e teimosias, dele e do pai. Pernas estas, que o levou a São Paulo em busca do ganha-pão, antes do retorno à nossa pacata cidadezinha do interior de Minas. Na sua cidade natural, casou, teve filhos e supriu toda uma família à base do suor. E isso não é metáfora.
Seu semblante era duro, mas não nasceu assim, fora endurecido pelo relógio, aquele analógico que nunca saía do seu pulso esquerdo.
Herdei muita coisa dele, além da pele clara e dos olhos anil, ficou também a explosão em segundos, o falar com o olhar que eu sei ler como ninguém e até a teimosia irremediável. Ao ver do mundo, não fez nada grandioso e aposentou como vigia noturno com salário baixo. Não escondia a curiosidade do olhar interiorano que dirigia a mim quando eu, ficava parado com um monte de folhas à minha frente cheia de códigos indecifráveis para sua vista.
Hoje, ainda resiste às rasteiras do destino, que o deixou com passos ainda mais curtos e vacilantes e a voz relegada à grunhidos, com algumas palavras pescadas pelo ouvinte atento. Não tem problema. A felicidade é mar também quando ouço sua risada surpresa e seu olhar alegre, quando volto alguns dias para nossa nossa velha cidade. Ainda está lá, patriarca, sol e alavanca maior, sentado na cabeceira da mesa, orquestrando o caminhar da casa. Hora outra, senta-se de fronte a horta e fica escutando o gracejo dos pássaros com quem tem compromisso cotidiano, sem hora marcada, mas sempre no mesmo horário.
Às vezes, arregala os olhos e na estradinha de terra ao longo da montanha ao longe enxerga um carro e acena para vermos também, olhamos com atenção, mas só depois de alguns segundos conseguimos enfim ver o rastro do carro que já vai embora. Talvez nada disso seja razão de nota maior, mas agora é. E enquanto eu puder arrastar de modo desengonçado a caneta por essas e outras folhas de papel vai ser. O esquecimento não é digno do senhor, Seu Olavo.
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