Mesmo que o primeiro beijo, a primeira pedalada na bicicleta e o primeiro dente de leite que cai não produza as melhores sensações, há ainda os prazeres do ineditismo.
Aos vinte anos e com a maior parte deles assistindo futebol, nunca tinha ido em um estádio ver o meu time. De certo modo, me acostumei com assistir aos jogos com a cara colada na TV e sem ninguém por perto, se possível. No meio do jogo, sozinho e em pé, pensava: “Caraca, deve ser legal estar no meio de toda aquela festa”. Eu ficava feliz ou triste, dependendo do resultado, mas parecia que a tela artificializava minhas emoções. Queria porque queria ir ao estádio. Morando em outro estado e sem carro ou alguém na família com a mesma paixão, ficava difícil. Mas, eis que chegou o dia. Um que conhecia um primo de um amigo de alguém que ia fazer uma caravana e ia para um jogo do campeonato brasileiro entre Corinthians e Palmeiras. “Tô dentro!” Tinha economizado cinco meses e ele me podia cobrar o triplo, eu aceitaria. Me sentia um apaixonado que vai encontrar a paquera depois de tempos de amor pela tela. E quanto tempo!
Chegou o dia. Era para sair às 8h30. Oito horas já estava sentado na praça em uma manhã de domingo, com um cachorro sentado no banco mais perto. Por algum tempo, cheguei a pensar que o cara podia ter pegado meu dinheiro e que eu nunca mais ia vê-lo. Pior! O sonho de ver o meu time iria por água abaixo. Mas, foi chegando um, chegou outro. Pareciam todos amigos. Depois da hora marcada, chegou o organizador com a van. Todos dentro, eu não conhecia ninguém, mas me senti aliviado. Ia acontecer.
Assim que a van deu o primeiro sinal de partida, o som berrou ensurdecedor músicas do Corinthians pelas mais de cinco horas até chegarmos em São Paulo. E todos cantando e gritando dentro do carro. Um ou outro chegava a colocar a cabeça para fora da janela na rodovia para gritar algum incentivo para o Timão em direção a um caminhoneiro que não entendia. Na parada para o almoço, nosso grupo chamava atenção. Todos com camisas, lenços, bonés, bandeiras alvinegros e sinalizadores que acendíamos até que chegasse um guarda ou polícia para mandar a gente apagar.
Ao descer no parque São Jorge, um dos torcedores, daqueles bem raiz com chapéu e regata alvinegros, olhou para mim e disse: “Caniggia, [os louros até os ombros lembrava o ponta-direita argentino dos anos 1990] hoje o Corinthians vai ganhar, você vai dar sorte pra nós!
Chegando, deixamos a van no estacionamento e começou a caminhada para a gigantesca construção quadrangular. No caminho, todos de preto e branco entre vendedores de água ou camisas para os torcedores menos precavidos. Na subida para a arquibancada as pernas tremiam. A respiração era mais pesada nos últimos degraus, enfim o estádio há poucos metros e os times perfilados em campo. Era a hora. O tempo passou tão depressa naquele perímetro mas antes de terminar o primeiro tempo, Rodriguinho, com a camisa que eu tinha comprado há pouco para substituir a antiga que vim de casa, marcou do outro lado do estádio. Gozo. Abracei e gritei com o torcedor ao meu lado como velhos amigos. Depois xinguei o time adversário, o árbitro, o presidente que estava nos camarotes. Acabou. Ganhamos.
Cheguei em casa aquele dia duas da manhã e tive de andar sozinho pelas ruas escuras até lá, mas naquele podia nada podia dar errado. E se tivesse perdido, teria sido do mesmo jeito. Agora, faz sentido gastar uma boa grana, o domingo inteiro, viajar, comer comida de rua, para ver um bando de homem correndo atrás da bola? Faz. Porque pra mim, pros 40 mil que estavam no estádio e pelos milhares espalhados pelo globo, aquilo não é só futebol, é uma seita. Assim, não foi feita para ser compreendida e sistematizada nos bancos confortáveis das universidades, mas sentida em pé no cimento de um estádio. Futebol é a briga de galos que C. Geertz não viu, não são só homens, são um pouco de cada um de nós, não é um time, é uma religião.
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