Um dia, desses de inverno em que não se tem nada a fazer encontrei as palavras rabiscadas com letra desengonçada e endereçadas à Joana, e começava os dizeres com o tratamento carinhoso de querida que se transformava nas linhas seguintes, em cruel, covarde, injusta, volta para mim joana pelo amor de deus, era a súplica da última linha.
Olhei para os lados e com o caderno encapado verde aberto, procurei o remetente que poderia estar voltando para buscar as confissões que não queria lembrar e que ficara caída naquele banco do parque. Nada. Apenas um cão brigava com um tênis de um ciclista desavisado. Cada página daquele caderno tinha uma data de dia e mês e os pontos azuis que sobressaiam na outra página branca dava a impressão que tinha sido escritas aquelas palavras com a força do grito que não pudera dar. Algumas folhas apresentavam passagens calmas e racionais, como: Tive uma festa surpresa no trabalho, aprendi a nadar no parque da Cantareira, voltei assinar aquele clube do vinho que a gente comentava... Noutras, as linhas expressavam o castelo de destino cruzados que foi a ruína e como tudo isso era culpa de Joana, pois desde da primeira vez que a viu, imaginou a apresentação para os amigos nas sociais na casa do Marcos, em que ele sentaria no alpendre com os outros e com uma garrafa de cerveja nas mãos, falaria de seus planos futuros, da casa em Petropólis, do “Amor, você lembrou de descongelar a carne?”, gabava-se aos amigos que insistiam em em não acreditar que ele sempre se lembraria.
Será que criariam perfil de casal no Facebook? Da primeira foto juntos, de conhecer os pais dela, teriam primeiro um cachorro ou um filho e qual seria a história que contaria para os amigos de como se conheceram? E agora, Joana? Era a pergunta que abria uma página perto do meio do caderno incompleto. Joana estava perdida no sem fim da criação de expectativas e histórias daquelas que acontecem na imaginação e só lá, onde tudo pode. Olhei para a frente e só vi um coqueiro se balançando com o sopro suave que vinha por detrás das montanhas, onde estaria o cachorro, o ciclista e o auxiliar do parque que estava ali há poucos minutos, disso não sabia.
São cinco da manhã e ainda sinto sua falta. Era a primeira linha da última carta endereçada mas nunca enviada e que datava o dia de hoje. Havia um borrão que pela minha eterna confusão de cores nunca saberia se estava mais pro bordô ou para o grená ou se a safra daquele vinho era de anos atrás e fora colhido no sul da França ou engarrafado no plástico reciclado. Riscos de cinza pintavam o nome de Joana, que parecia ter servido como cinzeiro para apagar o cigarro de que não restara odor. Uma criança corria atrás de uma peteca que passou pela minha cabeça. O vento fazia o coqueiro dançar mais forte. Apertei o dedo nas sobrancelhas, maldita cefaleia! O caderno ficou no banco e eu fechava os olhos mentalizando onde estaria a farmácia mais próxima. Eram dez e vinte e três da manhã.
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