Era noite de fevereiro e a chuva de verão batia na janela da sala, mas eu vi por entre as gotas que atrapalhavam a transparência do vidro, mesmo assim, vi sua capa de chuva azul. Na esquina do prédio residencial, encostado a parede lá estava ela, com apenas uma parte encoberta pela capa à mostra sob à luz do poste que piscava. Beatriz saiu de casa com uma despedida amigável e um beijo na testa, mas os pulinhos que deu antes de descer as escadas me pareceu mais interessado do que simplesmente jogar cartas e beber chá na casa de Lúcia. Ela sempre me puxava para alguma concerto que eu evitava e alguma peça de comédia que eu dizia que já havia visto, mesmo ela jurando que era inédita. Mesmo assim, teimo a pensar ainda nesse momento enquanto lhe escrevo já sabendo que ela deve estar aninhada por debaixo de sua camisa branca aberta, que o que fez ela te procurar foi sua capa celeste. Ela sempre pretendia que conseguisse uma capa de chuva, pois achava sério demais o meu guarda-chuva preto, ela queria que corrêssemos na chuva com nossas capas coloridas, fugindo da monotonia do cinza e preto. Mas, eu só queria saber do meu guarda-chuva preto, entenda minha situação, estávamos há mais de vinte anos casados, eu nem gostava de sair quando chovia, em dias assim ela concordava com a cabeça mas os olhos ainda se perdiam por entre outras gstas que manchavam a visão desses mesmo vidros da sala de estar.
Quando receber essa carta, pode ser que guarde para lê-la junto com ela, sem medo de magoá-la, pois sabe que o principal é não perder a capa de chuva azul. Depois de algumas semanas, os encontros tornaram-se mais frequentes, mas fingi que nada sabia. O que eu posso te dizer? Que o perdoo? Você nunca se sentiu na obrigação de pedir e ela preferiria deixar tudo como está, vivendo comigo e pensando em você. A apatia que via em seus olhos desapareceu e por isso, não posso lhe dizer que faz mal a ela, só a mim. A tinha tão perto que pensei que um contrato bastaria para tê-la para sempre e nunca desviei momentos que seja, para duvidar disso. Vivendo na rotina, esqueci que mulher não se parece com a cópia de Dalí que enfeita nossa sala, sua beleza sútil e complexa, mas não posso ganhar sua companhia com momentos de exposição e uma nota fiscal. Não sei seu rosto, só sei do seu cabelo castanho escuro sem traço de grisalho que ela colocou por entre a agenda dentro da gaveta que abri. Não saio quando o tempo está mal, tenho medo de te ver num manequim da loja de esquina ou no corpo de outro homem, mas para minha sorte em março acaba as chuvas de verão. Espero sinceramente que não tenha comprado aquele sobretudo marrom que ela tanto insistiu que eu levasse em algum dia de agosto do ano passado.
Comentários
Postar um comentário