Todo mundo apressado para tomar banho, por a roupa de domingo e encontrar um lugar vago na janela do carro em dia de ir ao shopping. O pai segura o queixo no volante com o motor ligado, a mulher entra na porta ao lado, esbaforida, porque a mãe ficou horas e horas escolhendo o penteado e saiu com o cabelo preso. Continuo a seguir com o olhar a chuva que escorre aos pingos pela brecha da calha que molha meus braços.
O carro acelera, passa uma, duas, três ruas, vira à esquerda, segue adiante, torna à direita, agora tem que parar no semáforo. Há garotos vendendo bala ali, mas o pai acelera sem dar chance para o garoto dizer que era só três por cinco. Lembro de mais cedo na praia, quando outro garoto com aquele mas sem qualquer semelhança estética com o mesmo passara vendendo bolsas. "Olha, que legal. desde pequeno já tá trabalhando. Tá de parabéns, hein!" o garoto ouve acanhado. "Quanto é a bolsa?" "É 30, senhora." "Faz por 20?" Ele não quer ou simplesmente não pode. Baixa os olhos e passa a língua nos lábios com pressa como se aquilo não fosse bom, mas pior ainda seria perder a venda.
"Rita, pega aí meu cartão na bolsinha. Isso, isso... o vermelhinho do Itaú escrito gold." Estende cartão ao garoto, que morde o lábio inferior como se não quisesse dar aquela má notícia. Não tinha maquininha. "Não? Iiii, então acho que vou comprar não... a não ser que faça por 15." "Não dá, senhora. É praticamente o preço que eu pago..." ele diz em tom de súplica. A mulher balança as duas notas de cores diferentes próximo aos olhos do garoto, no fim a bolsa fica. A mulher com a bolas no colo e como o crachá de professora na carteira, me olha e repete: "Legal quando jovem assim já faz seu próprio dinheiro e não depende dos pais, né?" Seria uma indireta? Meu pai continua olhando pro mar por baixo dos seus óculos escuros sem nada dizer. "Legal é criança tá é na escola, né?" Eu inverto a provocação. Chega no shopping. Prédio branco, carros cinza.
Passos apressados. Na mão entre sacolas e mais sacolas, aparece uma tela que faz a maioria curvar os pescoço, enquanto olho nas luzes do parque de diversão. No barulho industrial das vozes, nas vendedoras que me puxam os braços para comprar aquele aparelho novo da Polishop que promete transformar água em cubinhos de gelo em formato de bichinhos! Sinto vontade de gritar, mas a senhora que vinha em direção toma a frente por eu ter chutado a pata da sua shih tzu.
É hora de comer. Melhor entrar logo na fila de um fast-food mais perto. "Um sanduíche do dia e um suco de laranja, por favor." "Batata, senhor?" "Não, só sanduíche e o suco." Chega a voz de trás: "Como assim, olha aqui Rita, pega batata sim, mesmo que for pra jogar fora." "Ele quer batata sim." A atendente termina de teclar o último dígito e manda eu esperar ao lado. Pego a bandeja, no caminho para a mesa percebo que muitos seguiram meu pedido. Vejo mais batata do que piso no caminho. Pego o meu lanche sem fome, mesmo gosto de isopor empurrado com suco artificial. "Será que aquele garoto da praia vai jantar?" Olho pra frente e surge um copo de espuma branca com líquido preto por cima me encarando. "Toma, pode tomar, pedi o sundae pra você mesmo." Eu não querer não importava naquele momento, tento fugir logo para uma livraria até a hora de ir. A televisão coloca o apresentador que lamenta "a tragédia de Brumadinho", conversando com a mãe de umas das vítimas "Que notícia triste..." Corte da câmera. "Notícia boa e com bom negócio automóveis, lá você encontra parcelas..." diz o apresentador com o sorriso amarelo. Na saída, uma grande televisão ainda mostra os frames da velha senhora e da lama inundando o que um dia fora pessoas, antes do mercado acenarem para eles algumas migalhas. "Ô Rita... Ôoo Rita... que prejuízo teve a Vale, hein?"
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